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Visão Geral Sobre a Radioterapia e os Seus Efeitos Sobre o Coração. 

 

As neoplasias malignas que acometem o segmento do tronco são bastante incidentes e essa conclusão tomamos ao observar alguns dados: os dois tipos de câncer com a maior incidência de casos iniciais (ou 'novos'), nos Estados Unidos, são as neoplasias malignas da mama e do pulmão, que juntos são responsáveis por pouco menos que 500.000 casos iniciais; isso apenas em 2017*. O fato considerado motivador para esse texto: a maioria significativa dos casos de pacientes diagnosticados com essas afecções irá se submeter à radioterapia, que é uma modalidade de tratamento não dispensável. Assim, como um radio-oncologista, posso afirmar que tão comum quanto os casos apontados é a pergunta imediata após o conhecimento da necessidade de realizar a radioterapia: "Doutor, mas e o coração? A 'radio' vai 'queimar' o coração?"

 

Entenda uma coisa: é preciso esclarecer que a radioterapia não 'queima' nenhum tecido do nosso corpo, pois se trata de um agente agressor diferente dos agentes térmicos (muito quentes ou muito frios, como um ferro de passar roupas em uso ou um bloco de gelo). A radiação que utilizamos para tratamento do câncer provoca  -  intencional e controladamente  -  um tipo específico de dano nos tecidos do corpo: o dano actínico. Sim, em certa medida, é esse um dos danos que a radiação solar provoca na nossa pele. 

 

A Radioterapia

 

A radioterapia utiliza raios-X de alta energia que são produzidos por uma máquina denominada acelerador linear. Há a criação de uma corrente eletrônica no interior do aparelho e essa é direcionada para atingir uma outra peça denominada "alvo" que é composta de um material químico chamado tungstênio. Essa interação produz uma grande quantidade desses raios-X que  possuem uma única medida de energia. Sim, há muitos detalhes complexos que são explicados pela Física, mas é esse o mecanismo básico de funcionamento. Dessa forma, a produção da chamada radiação ionizante utilizada para os tratamentos está separada da radiação térmica.

 

Atualmente, realizamos a radioterapia através de modernos aceleradores lineares que são equipados com algumas ferramentas muito úteis criadas para alcançarmos um objetivo muito importante numa terapia: aumentarmos uma relação que chamamos de índice terapêutico. Simplificadamente: nosso objetivo é alcançar a maior eficácia com os menores prejuízos. Traduzindo para a oncologia: alcançar a maior taxa possível de controle da doença (morte das células cancerígenas) com a menor quantidade de danos biológicos aos órgãos e tecidos que estão na vizinhança desses tumores, nódulos ou regiões que necessitem de uma dose terapêutica da radiação. 

 

Dessa maneira, temos que: 

(1) identificar e delimitar a região do corpo que precisa receber as doses de radiação que serão necessárias para controlar a doença e; 

(2) identificar as estruturas vizinhas que não precisam dessa dose, mas que acabam recebendo frações dela. 

 

São duas necessidades do médico que parecem conflitantes, não é? Então, como faremos isso?

 

A Tecnologia da Radioterapia Moderna e o Processo

 

Quando dizemos que vamos realizar radioterapia para tratamento de um determinado tipo de câncer, a nossa intenção é irradiar uma região do corpo na qual esse tumor, nódulo ou espaço cirúrgico se encontra. Como disse: usamos ferramentas importantes e tecnológicas para visualizar essa região de interesse como, por exemplo, realizando um exame de imagem chamado tomografia computadorizada (TC) com o paciente deitado nas condições específicas de tratamento, incluindo a sua devida imobilização. Lembre-se: essa é uma tecnologia criteriosa e que deve ser usada na grande maioria dos casos, mas não na totalidade. Caberá ao médico radio-oncologista o julgamento do uso correto das ferramentas à sua disposição para as necessidades do caso específico nas suas mãos. 

 

Devido a necessidade de aplicarmos altas doses de terapia, muitas vezes em regiões extremamente delicadas e sensíveis do corpo, ou seja, que contém muitas estruturas sadias e nobres, é tão ou mais necessário que também nos preocupemos em poupar essas estruturas das altas doses terapêuticas. Por esse motivo é que utilizamos essas ferramentas avançadas de planejamento. 

 

Uma vez adquirida a imagem de tomografia computadorizada do segmento do corpo do paciente (que é para nós um modelo volumétrico do segmento) e uma vez introduzida essa sequência de imagens num computador que contém um sistema de planejamento eletrônico (software ou programa de computador para o planejamento de radioterapia), o médico é capaz de realizar o delineamento da região a ser irradiada definindo assim o volume de tratamento. A tomografia computadorizada é uma imagem de bastante qualidade visual, então é possível para você imaginar que com uma imagem dessas podemos delinear o que desejarmos. Conseguimos visualizar as estruturas que merecem a nossa atenção. 

 

Esse processo de criação do planejamento para executar o tratamento é a etapa que requer grande conhecimento do profissional médico e do profissional de física-médica. No programa de computador, somos capazes de avaliar cada detalhe desde o delineamento das estruturas até o posicionamento do conjunto mesa-acelerador linear, ou seja, a posição do paciente deitado na mesa dentro da sala de tratamento em relação ao posicionamento do aparelho de terapia. Fazemos uma análise virtual do tratamento assim que o planejamento estiver concluído. Obviamente, toda a informação gerada nesse processo será avaliada pelo médico e pelo físico-médico para posterior aprovação da sua execução com base em uma grande quantidade de parâmetros técnicos que nos mostram se a região que precisa receber a dose de tratamento está realmente recebendo essa dose e em acordo com o volume definido como de interesse. Ainda, poderemos avaliar o grau de segurança do tratamento com base na relação da quantidade de dose de radiação em cada unidade de volume dos órgãos sadios que foram delineados pelo médico. Toda essa análise é realizada de maneira computacional e nos permite ter uma boa idéia dos efeitos da radiação e, de certa maneira, prever a ocorrência dos sinais e sintomas oriundos de eventuais danos a esses tecidos destacando a relação 'custo x benefício' da terapia em si, ou seja, a sua toxicidade frente aos seus resultados positivos. Essa área da radioterapia é estudada desde que praticamente os raios-X começaram a ser utilizados com intenção terapêutica e esses conhecimentos evoluem consistentemente. 

 

Vale a pena lembrar, também, que a radioterapia nem sempre é realizada isoladamente, mas é parte integrante de uma estratégia terapêutica que pode incluir a cirurgia oncológica e as terapias sistêmicas, como a quimioterapia citotóxica, por exemplo. Cada modalidade possui seu característico rol de efeitos deletérios. Invariavelmente, existem muitas drogas utilizadas na oncologia que possuem efeitos tóxicos sobre diversos tecidos do organismo, incluindo o coração, e esses efeitos podem ser potencializados com a associação dos tratamentos e, por isso, buscamos sempre incrementar cuidados de maneira a reduzir aqueles efeitos significativamente, já que as últimas décadas têm mostrado elevadas taxas de sucesso nessa área da medicina. Sim, atualmente, os pacientes vivem mais e com mais qualidade de vida.  

 

Os Danos Biológicos aos Tecidos e a Resposta Orgânica

 

Todo e qualquer dano provocado nos tecidos biológicos irá desencadear uma reação de reparo que é necessária para manter a integridade desses. O nosso organismo irá produzir uma espécie de 'cenário' propício para a reconstrução. Esse 'cenário' é denominado inflamação. Portanto, a radioterapia  -  como qualquer outro agente agressor  -  irá provocar na região do corpo irradiada os efeitos característicos do dano actínico. O organismo, prontamente, inicia o seu esforço biológico de reparação e desenvolve a reação inflamatória que é, basicamente, a responsável pelos sintomas (tudo aquilo que sentimos) e pelos sinais (tudo aquilo que enxergamos). Esses sinais e sintomas próprios da inflamação são bastante conhecidos e característicos: 

(1) calor, ou seja, a área irradiada pode ficar com temperatura levemente aumentada; 

(2) rubor, ou vermelhidão; principalmente de efeito visual, corresponde à região da pele através da qual a radiação penetra no corpo do paciente; 

(3) tumor ou edema (inchaço);

(4) dor, ou seja, pode haver sensação de ardor ou simples aumento da sensibilidade; e 

(5) perda de função biológica, ou seja, equivalente dizer que se um órgão como a bexiga, por exemplo, que tem a função de armazenar os resíduos líquidos for agredida e sofrer um processo de inflamação, terá dificuldades de armazenar os resíduos líquidos e irá incomodar o paciente com maior frequência. 

 

Conclusão

 

Essa visão geral da radioterapia permite, por meio de um esforço do leitor, entender a sua utilização como um dos meios de tratamento, seu processo básico, os principais eventos biológicos associados ao dano e os sinais e sintomas inerentes à reação inflamatória desencadeada pela ação físico-química da interação da radiação com os tecidos do nosso corpo. Esses conceitos são semelhantes independentemente do sítio específico que recebe a terapia através de sessões diárias ambulatoriais (sem necessidade de internação). 

 

 

Referência Bibliográfica

 

*American Cancer Society: Cancer Facts and Figures 2017. Atlanta, Ga: American Cancer Society, 2017. Also available onlineExit Disclaimer. Last accessed January 18, 2017.

 

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